sexta-feira, 3 de outubro de 2014

Apropriação Cultural da Diferença Sexual - Parte 2

Um pouco de história


As questões de gênero refletem o modo como diferentes povos, em diversos períodos históricos, classificam as atividades de trabalho na esfera pública e privada, os atributos pessoais e os encargos destinados a homens e a mulheres no campo da religião, da política, do lazer, da educação, dos cuidados com saúde, da sexualidade etc.

O conceito de gênero, hoje em dia corrente nas páginas de jornal e nos textos que orientam as políticas públicas, nasceu de um diálogo entre o movimento feministae suas teóricas e as pesquisadoras de diversas disciplinas – história, sociologia, antropologia, ciência política, demografia, entre outras.

Uma figura emblemática desse movimento de idéias é a filósofa Simone de Beauvoir, que em 1949 escreveu o livro O Segundo Sexo. Ele daria um novo impulso à reflexão sobre as desigualdades entre homens e mulheres nas sociedades modernas acerca do porquê do feminino e das mulheres serem concebidos dentro de um sistema de relações de poder que tendia a inferiorizá-los. É dela a famosa frase “não se nasce mulher, torna-se mulher”. Com esta formulação, ela buscava descartar qualquer determinação “natural” da conduta feminina.

O movimento feminista não começou com esta escritora; houve em diversos momentos históricos anteriores iniciativas políticas de mulheres buscando alterar uma posição subalterna na sociedade, a ponto de alguns estudiosos considerarem a existência de múltiplos movimentos feministas. Um desses exemplos são as chamadas sufragistas, que lutavam no início do século passado para que as mulheres tivessem o mesmo direito de votar que era concedido aos homens.

A luta pelo sufrágio feminino. Veja como a conquista do direito ao voto para as mulheres variou muito entre as diferentes sociedades:

Ano de Conquista do Voto Feminino País
1917 URSS, com a Revolução.
1918 alemanha
1919 eUa
1928 Inglaterra
1932 Brasil
1945 França, itália, Japão
1973 Suíça


A crítica e a luta pela mudança dessa situação caracterizaram o movimento social das mulheres, que apresenta diferentes vertentes, assim como o próprio conceito de gênero, em evolução através de variadas abordagens, cada vez mais sofisticadas.

O conceito de gênero, como vimos, foi elaborado para evidenciar que o sexo anatômico não é o elemento definidor das condutas da espécie humana. as culturas criam padrões que estão associados a corpos que se distinguem por seu aparato genital e que, através do contato sexual, podem gerar outros seres: isto é a reprodução humana. Observe como se entrelaçam o sexo, a sexualidade – aqui a heterossexual – e o gênero. Estas dimensões se cruzam, mas uma dimensão não decorre da outra! Ter um corpo feminino não significa que a mulher deseje realizar-se como mãe. Corpos designados como masculinos podem expressar gestos tidos como femininos em determinado contexto social, e podem também ter contatos sexuais com outros corpos sinalizando uma sexualidade que contraria a expectativa dominante de que o “normal” é o encontro sexual entre homem e mulher.

Desde 1964, o psiquiatra norte-americano Robert Stoller vem desenvolvendo estudos sobre masculinidade, feminilidade e a questão da identidade de gênero, criando um ponto de partida para o estudo mais sistemático do travestismo. este é um dos fenômenos da não-conformidade com as exigências sociais de “coerência” entre o sexo anatômico, a indumentária e o gestual supostamente referente ao sexo oposto. as travestis – pessoas cujo gênero e identidade social são opostos ao do seu sexo biológico e que vivem cotidianamente como pessoas do seu gênero de escolha – elaboram identidades que não devem ser entendidas como “cópias de mulheres”, mas como uma forma alternativa de identidades de gênero. entre as muitas autoras importantes para o desenvolvimento do conceito de gênero, destaca-se a antropóloga norte-americana Gayle Rubin, que em 1975 defendeu a idéia da existência de um sistema sexo-gênero em todas as sociedades. Outra contribuição importante e muito conhecida no Brasil é o texto Gênero: uma categoria útil de análise histórica, de Joan Scott. Esta publicação contribuiu para que pesquisadores da área de ciências humanas reconhecessem a importância das relações sociais que se estabelecem com base nas diferenças percebidas entre homens e mulheres. Há também uma significativa produção científica realizada por pesquisadoras francesas, dentre as quais se destacam Christine delphy e danièle Kergoat, que elaboraram o tema “divisão sexual do trabalho doméstico”. aprimeira desenvolveu a teoria de que, em decorrência das relações de gênero que naturalizam as atividades de cuidado, os homens e os maridos exploram suas esposas e companheiras ao se beneficiarem do trabalho doméstico gratuito. De fato, não são apenas os homens próximos, mas a sociedade como um todo que não reconhece ser o trabalho doméstico gerador de riqueza, uma vez que a garantia de atendimento das necessidades de alimentação, repouso e conforto possibilitam a dedicação ao trabalho externo e à produção.


Nenhum comentário:

Postar um comentário